quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

GHIORGHIU VASILIEVICH FLOROVSKI (1893)

Ghiorghiu V. Florovsky foi um teólogo e sacerdote Ortodoxo. Nasceu nos arredores de Odessa em 28 de agosto de 1893. Na época, seu pai Basílio era capelão e professor de religião num colégio da cidade. Sua mãe, Cláudia Poprouzhenko, descendia do meio clerical. Recebeu a educação inicial de seus pais; herdou deles profunda piedade e um conceito muito elevado do que fosse religião. Assimilou de seus pais um sentido de profunda piedade e um conceito muito elevado de tudo aquilo que diz respeito à religião: a Igreja, os ícones, a liturgia, a Tradição, o clero.

Ingressou na Universidade de Odessa, onde inicialmente estudou história e filologia e depois filosofia, psicologia e ciências naturais (química e fisiologia). Teve duas celebridades entre seus professores: o filólogo e psicólogo N. N. Tange, seguidor de W. Wundt, e o biólogo B. Babkin, discípulo de I. P. Pavlov.

Em 1919, obteve o Philosophiae Magister e a livre docência em filosofia na Universidade de Odessa.

Nesse meio tempo, os comunistas haviam tomado o poder e se aproximavam tempos difíceis para o clero. Em 1920, toda a família Florovsky refugiou-se na Bulgária, juntamente com uma centena de sacerdotes e intelectuais. No ano seguinte, Florovsky deixou e rumou para Praga, onde se estabelecera uma grande colônia de emigrados. Prestou novos exames para obter a livre docência em filosofia. De 1922 a 1926, lecionou Filosofia do Direito na Universidade de Praga.

Durante esse período, Florovsky submeteu todas as suas convicções filosóficas a uma análise crítica: abandonou o idealismo, o kantismo e o racionalismo e voltou à filosofia cristã oriental. Expressão dessa conversão filosófica foi o ensaio intitulado As astúcias da Razão, um severo exame de todos os sistemas filosóficos do século XIX, do hegelismo ao marxismo, ao cientismo de Comte, ao determinismo freudiano ou darwinista, ao naturalismo de Bergson, ao antipsicologismo de Husserl, ao neo-escolasticismo protestante e à tendência acentuadamente jurídica dos católicos romanos. Em todos esses sistemas, Florovsky denuncia a esterilização da espontaneidade criadora do homem, a coisificação da vida e o matematismo dos mistérios. Em seu lugar, propõe uma reabilitação da Tradição cristã oriental, a única, segundo ele, capaz de salvaguardar o sentido do mistério e os direitos da pessoa.

Em 1925, realizou-se um sonho que os teólogos da Diáspora cultivavam há anos: a criação em Paris do Instituto Ortodoxo de São Sérgio, para a formação do clero ortodoxo destinado a prestar assistência às comunidades dos exilados e defender a Ortodoxia. A direção do Instituto foi confiada a Bulgakov; Florovsky assumiu a cátedra de Patrologia. E, assim, nosso teólogo transfere-se de Praga para Paris, onde, em 1932, foi ordenado sacerdote.

Florovsky encontrou no ensino da patrologia o estímulo necessário para redescobrir aquela "Tradição cristã oriental" que se tornara o seu novo modo de "teologar" depois de seu repúdio às filosofias ocidentais, e que a polêmica em torno da visão "sofiológica" de Bulgakov, na década de trinta, tornava tanto mais urgente.Não participou diretamente da violenta polêmica que se desencadeou em torno da "sofiologia", por razões de respeito para com o diretor de sua escola. Mas ofereceu uma alternativa à teologia de Bulgakov com a publicação de dois livros, Os Padres Orientais do Século Quatro (1931) e Os Padres Orientais dos Séculos Cinco ao Oito (1933). Tais livros contêm o núcleo da "síntese neo-patrística" (ou "sacro-helenismo") com a qual se identifica a visão teológica florovskyana.

Confirmando as teses apresentadas nesses dois livros, em 1937 Florovsky publicou uma obra magistral, Os Caminhos da Teologia Russa, na qual demonstrava que do século XVII em diante a teologia ortodoxa se afastara da tradição patrística, sofrendo profundas infiltrações por parte das teologias católica e protestante.

O ecumenismo vinha sendo favorecido pela Igreja Ortodoxa Russa desde a Primeira Guerra Mundial. Florovsky, porém, só começou a se interessar por ele quando se estabeleceu em Paris. Naquela cidade, Berdiaev fundara um círculo ecumênico abrilhantado por nomes ilustres, como Bulgakov, Zenkovsky, Boegner, Maury, Maritain, Marcel e Gilson. Florovsky inscreveu-se no círculo logo que se transferiu para o Instituto São Sérgio. Em 1931, Karl Barth convidou Florovsky para pronunciar uma conferência sobre a Revelação na Universidade de Bonn. Foi um acontecimento memorável na história do ecumenismo. Em 1937, participou da Conferência Ecumênica de Edimburgo e causou uma forte impressão. Ao término do encontro, foi escolhido para participar do Comitê dos Catorze, encarregado de preparar o Conselho Mundial das Igrejas. Desde então, sempre esteve presente em todos os grandes encontros ecumênicos. E desses encontros nasceram alguns dos escritos mais significativos do nosso autor. Criticou vigorosamente a expressão "Conselho Mundial das Igrejas". Para Florovsky, o plural "Igrejas" era inadmissível. "Ainda que a desgraça das divisões cristãs", declarou o teólogo de Odessa, "nos obrigue a reconhecer muitas confissões, só há uma única Igreja, a Igreja Ortodoxa, que tem uma função missionária no seio do Conselho Mundial." Em 1950, na Conferência de Toronto, lutou até o fim pela inserção no relatório final do esclarecimento de que a participação no Conselho Mundial das Igrejas não implica para qualquer Igreja-membro a obrigação de reconhecer às outras Igrejas-membros o título de Igreja no verdadeiro sentido da palavra. Nessa questão da definição eclesiológica do Conselho Mundial, Florovsky mostrou-se inarredável, fazendo dela uma conditio sine qua non para a participação da Ortodoxia. Na Conferência de Evanston (1954), lançou uma conclamação a um novo tipo de ecumenismo: "Ao ecumenismo no espaço deve-se acrescentar também um ecumenismo no tempo", ou seja, uma nova tomada de contato com os grandes momentos da Tradição apostólica, essencialmente salvaguardados pela Ortodoxia.
São especialmente memoráveis dois relatórios que leu diante do Congresso Teológico Pan-Ortodoxo de Atenas (1936), Westliche Einflüsse in der Russischen Theologie e Patristics and Modern Theology. O primeiro trata da "pseudomorfose" da teologia oriental sob as influências latinas e protestantes; o segundo apresenta o programa de "re-helenização da Ortodoxia".

Durante a Segunda Guerra Mundial, nosso teólogo buscou refúgio inicialmente na Suíça, depois na Iugoslávia e finalmente na Tchecoslováquia. Depois da guerra, retornou a Paris.

Em 1949 ingressou na Faculdade de Teologia da Universidade de Harvard, na qualidade de professor de História da Igreja Oriental. No ambiente sereno e acolhedor de Harvard, passou a se dedicar novamente à pesquisa científica. Desenvolveu e aperfeiçoou sua "síntese neopatrística" e organizou um grupo de estudos sobre o tema "Teologia e História".

Quando do anúncio da convocação do Concílio Vaticano II, embora se alegrando com o acontecimento, Florovsky manifestou algumas reservas ao convite enviado por Roma à Igreja Ortodoxa para que enviasse alguns de seus membros da hierarquia como observadores. Pareceu-lhe um sistema muito triunfalista e paternalista. Segundo ele, o convite devia ser endereçado somente aos teólogos.

Em 1964, alcançado o limite de idade, deixou a cátedra de Harvard e ingressou na Universidade de Princeton, na qualidade de visiting professor.

PENSAMENTOS DE FLOROVSKY

"Um corpo, em suma, o corpo de Cristo; esse excelente paralelo de que se serve são Paulo nos vários textos em que descreve o mistério da existência cristã é ao mesmo tempo o melhor testemunho que se possa prestar da experiência íntima da Igreja apostólica. Não é absolutamente metáfora acidental: é muito mais um resumo da fé e da experiência".

"As outras imagens e analogias de que se vale são Paulo e o resto do Novo Testamento acentuam do mesmo modo a unidade orgânica entre Cristo e os crentes; o alicerce construído com pedras múltiplas e vivas, que no entanto se apresenta como uma única pedra; a vinha e seus ramos, e muitas outras imagens, todas elas servem ao mesmo objetivo principal. Dentre elas, a imagem do Corpo é a mais forte e a mais expressiva"

"A Igreja é o Corpo de Cristo porque e na medida em que (pour autant) ela é o seu complemento... Noutros termos, a Igreja é a extensão e a 'plenitude' da Encarnação, ou melhor, da vida encarnada do Filho, 'junto a tudo aquilo que foi feito por nossa salvação: a Cruz e o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, a Ascensão aos céus, o estar à direita do Pai' (São João Crisóstomo)".

"A Igreja, portanto, é o lugar e o modo da presença salvífica do Senhor, glorificado no mundo ou na humanidade que ele salvou"

"Os cristãos não são apenas unidos entre si; antes de mais nada, eles são uma unidade em Cristo e só essa comunhão com Cristo torna possível a comunhão dos homens, nele. O centro da unidade é o Senhor e o poder que opera essa unidade é o Espírito Santo".

"Católico não é um nome coletivo. A Igreja ... é católica em todos os seus elementos... Cada membro da Igreja é e deve ser católico. Toda a existência cristã deve ser organicamente 'catolicizada', ou seja, reintegrada, concentrada, centralizada interiormente".

"Cristo é o mesmo, ontem, amanhã e sempre. Nele todas as gerações cristãs estão unidas".

"A função principal da Igreja no mundo é precisamente reunir os indivíduos dispersas e separados, incorporando-os numa unidade orgânica e viva, em Cristo"

"É através do seu bispo ou, mais exatamente, no seu bispo que cada igreja local ou particular se inclui na totalidade da Igreja católica. Através do seu bispo, ela é colocada em contato com as fontes primeiras da vida carismática da Igreja, ligada a Pentecostes"

"Aquilo que realmente se exige não é uma linguagem nova ou novas visões gloriosas, mas unicamente uma melhor vida espiritual que nos torne novamente capazes de discernimento no âmbito da plenitude da experiência católica".

"A primeira tarefa para a geração atual de teólogos ortodoxos é restaurar em si mesmos a capacidade de sacrifício que lhes permita não tanto exprimir as próprias idéias ou as próprias visões, mas unicamente prestar testemunho da fé imaculada da Mãe Igreja. Cor nostrum sit semper in Ecclesia!"