quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

ROMANO GUARDINI (1885-1968)

Teólogo católico ítalo-alemão. Nasceu em Verona, na Itália, em 1885. Filho de um cônsul italiano, com um ano apenas, Romano Guardini se transferiu para a Alemanha. Estudante de química e de economia em Tubinga e em Berlim, cursou os estudos eclesiásticos e foi ordenado sacerdote. Foi professor de dogmática em Bonn (1922), de filosofia católica em Berlim (1923) e mestre na arte da linterpretação; exerceu uma considerável influência na juventude católica alemã depois da I Guerra Mundial. Sua cátedra foi suprimida em 1939 pelo regime nacional-socialista. Em 1945 foi convidado a ensinar na Universidade de Tubinga e, a partir de 1948, na de Munique, donde expunha seu próprio pensamento sobre uma cosmovisão católica do mundo. Para sustituir-lhe, depois de sua jubilação, se chamou a Karl Rahner. Em 1952 obteve o premio da paz dos livreiros alemães.

Não pertencendo à linha tomista, nem por isso foi menos obediente à tradição evangélica e patrística, procurou manter um contínuo contato com a cultura e filosofia modernas. Soube dar à mensagem cristã uma expressão moderna, tornando-a atual para um vasto público do século XX. De inspiração agostiniana, sua teologia, que explora amplos espaços da cultura, é mais uma evocação da vida de fé que uma sistematização dogmática.

A vida e a atividade de Romano Guardini têm sido a de um extraordinário e sábio professor. Sua numerosa obra persegue uma interiorização psicológica e poética de fundamento teológico, ao mesmo tempo que uma visão unitária e total da existência humana. A concessão do prêmio Erasmo, em 1961, foi o reconhecimento a um homem e à sua obra que contribuíram com a reconstrução da Europa na pax christiana e na cultura clássica. Permanecem para sempre as suas obras como O espírito da liturgia (1918), sem dúvida, o livro que mais contribuiu para fomentar o movimento litúrgico anterior ao Vaticano II.

Sua influência na teologia católico-romana do século XX foi grande. Isto pode ser visto especialmente em dois campos: o diálogo entre teologia e literatura (como fez, por exemplo, nos seus estudos sobre Dante), e a liturgia.

A teologia de Guardini é a suma de uma experiência, de uma práxis teológica espiritual e concreta. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma pesquisa científica, sistemática, elaborada mediante método rigoroso e orgânico e, ao mesmo tempo, de caráter vital. O centro de sua teologia é a cristologia. Ao Cristo dedicou muitas obras e artigos.

Através de seus livros e conferências, Guardini fez da teologia e do pensamento cristão uma forma original, cheia de sensibilidade e de cultura, para aproximar-se do homem culto de hoje. Como P. Lippert, Karl Adam e outros, Guardini permanecerá como o renovador culto do pensamento cristão que prepara o caminho para o Concílio Vaticano II.

Entre suas muitas obras, cabe recordar O espírito da liturgia (1917), Cartas de autoformação (1922), O universo religioso de Dostoievski (1933), A morte de Sócrates (1934), Pascal (1934), A essência do cristianismo (1939), Liberdade, graça e destino (1948), A aceitação de si mesmo (1950) e O Senhor (1954).

Romano Guardini faleceu em Munique, em 1968.

PENSAMENTOS DE ROMANO GUARDINI

“O Homem, em geral, não reza de bom grado e experimenta facilmente tédio na oração, constrangimento, repugnância e até animosidade. Qualquer ocupação lhe parece mais interessante e importante e diz para si próprio: 'Não tenho agora tempo para rezar' ou 'agora é mais urgente fazer aquilo'. E geralmente o tempo não empregue na oração é desperdiçado nas coisas mais supérfluas.”

“Salvação quer dizer que a pessoa e a vida aí reencontram o próprio significado (...) em um sentido absoluto. Salvação quer dizer que o ser daquele que faz a experiência é preenchido e ordenado segundo uma linha de valores definitivos, justamente por meio do relacionamento com a realidade numinosa [realidade original, da qual decorre a realidade fenomênica] que se lhe manifesta; que, por meio dela, as perguntas sobre a causa, o sentido e a meta de sua vida recebem a verdadeira e última resposta”.

“A natureza, designa a totalidade das coisas; tudo o que é. Mais exatamente: tudo o que existe antes que o homem faça alguma coisa. E então: as estrelas, a terra, suas plantas, seus animais, e também o homem enquanto realidade orgânica e espiritual. Isso tudo se oferece à experiência como algo de profundo, de potente, de magnífico; como uma plenitude de vida à nossa disposição; mas logo depois também como uma lição para o nosso conhecimento, para a nossa conquista e para a nossa transformação”.

“Ser pessoa significa que não posso ser habitado por nenhum outro, e que, na relação comigo próprio, me encontro só comigo; que não posso ser representado por nenhum outro, e que sou único".

"A terra está impregnada de um êxtase cósmico: existe nela uma realidade e uma presença eterna que, normalmente, dorme sob o véu do cotidiano. A realidade eterna deve ser revelada agora, como numa epifania de Deus, através de tudo o que existe".

"O homem que envelhece vai tomando gradativamente consciência de que não é eterno. Agita-se menos e, assim, os sons das vozes que vêm do além se fazem ouvir".

“A realidade religiosa toca o ponto mais vivo do homem, o centro mais sensível do seu ser pessoal. Desperta, porém, afetos muito específicos, que se referem somente a ela: uma forma especial de pudor, de reverência, de temor, de desejo, de amor, de zelo, de beatitude, de confiança. Mas ela afeta também o centro normativo do homem, sua ‘consciência moral’ (...) O religioso toca essa consciência; propõe para ela suas exigências, sem forçar, apenas através do significado e do que é direito: o homem deve fazer ou deixar de fazer determinadas coisas, orientar em certa direção sua vida. Ele não pode contestar o direito desta exigência que lhe é proposta, pois ela é evidente. Pode apenas rejeitá-la, desobedecer-lhe, evitá-la (...) A experiência religiosa abre um ‘mundo’, entendida essa palavra no sentido objetivo e subjetivo: uma coordenação de coisas e fatos, de relações entre os homens e as coisas, de ações e de obras, de experiências e situações, toda uma outra ‘vida’”.

“Quanto melhor compreendermos a figura da mãe do Senhor a partir do Novo Testamento, melhor compreenderemos e viveremos a nossa vida cristã, tal como ela é realmente. Ela é aquela que trouxe o Senhor no mais profundo de si mesma; através de toda a sua vida e até na morte. Continuamente teve de experimentar como Ele, vivendo do mistério de Deus, dela se afastava. Continuamente se elevava Ele para mais alto, e assim foi ela sendo trespassada pela «espada» (Lucas 2,35); mas, sempre também, ela se ergueu mercê da fé até Ele, e O envolveu de novo. Até que, por fim, Ele não quis mais ser seu filho. O outro, que estava ao pé dela, devia tomar o seu lugar. Jesus estava só, ao alto, no cume mais agudo da criação, perante a justiça de Deus. Mas ela, numa compaixão derradeira, aceitou a separação — e, graças a isso, voltou de novo, na fé, para junto dEle. Sim, a verdade, «feliz aquela que acreditou!»”

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